sexta-feira, 3 de abril de 2009

Você já mentiu que leu um livro?





Você entra no metrô. No ônibus. Numa cafeteria. Certeza. Um número grande de pessoas está lendo. Faz parte da paisagem londrina. Jornais, revistas. Livros. Muitos livros. Estudantes, executivos, senhores e senhoras de certa idade. Crianças. O britânico é um leitor. Mas. Mas também é humano: diz que lê mais do que lê na verdade.Como todos nós.

Uma pesquisa recente mostrou que dois em cada três britânicos já disseram ter lido um livro que não leram, para impressionar. “1984″, de George Orwell, “Guerra e Paz”, de Tolstoi, “Ulisses”, de James Joyce, e a Bíblia são os livros mais lidos de mentirinha entre os britânicos, segundo o levantamento. Muitas pessoas admitiram também pular páginas para chegar mais rápido ao fim.

Como todos nós.

Livro instrui, inspira, constrói e destrói mundos - e pode impressionar mesmo quando não é lido. Há certos livros que você se sente socialmente obrigado a comprar mesmo sabendo que não vai ler. Pelo menos não por inteiro. Talvez a orelha, as primeiras páginas, os parágrafos finais. Claro: se perguntarem se você leu, a resposta provável será sim. Mesmo que tenham sido apenas algumas páginas. Uma vez, para testar essa hipótese, uma revista americana fez o seguinte. Numa pilha de livros de determinada livraria, colocou discretamente um pequeno aviso na altura da página 40 de um bestseller de leitura indecifrável. O leitor que chegasse ali ficava sabendo que tinha direito a receber, na livraria em que fizera a compra, uma determinada quantia.

Foi ridículo o número de pessoas que foram reclamar o dinheiro que lhes seria dado desde que tivessem lido um número razoável de páginas.

Como esperado.

Livros: quais ler? Quantos? Leitura em alta velocidade, para trocar de livro com freqüência e formar bibliotecas vistosas, ou em baixa, com foco na apreensão? Quantidade ou qualidade? As palavras mais sábias que li sobre isso foram de Sêneca, o grande estóico romano, num ensaio chamada “Da Tranquilidade da Alma”. “Para que servem inúmeros livros e bibliotecas, se o proprietário encontra apenas o tempo em sua vida para ler as etiquetas?”, escreveu Sêneca. “Uma profusão de leitura sobrecarrega o espírito, mas não o ilustra; e melhor seria aplicar-se a um pequeno número de autores do que vagar no meio de muitos. Quantas pessoas desprovidas da mais elementar cultura têm livros que não são de modo algum instrumento de estudo, mas que adornam suas salas?”

E então volto à pesquisa, e penso em mim mesmo. Se já disse ter lido algum livro que não li? Claro.

Mas quem não? Desconfio que o terço das pessoas que disseram nunca ter feito isso estivesse contando - elas também - uma pequena mentira.


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